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Sonhos Destruídos
narrado por ANDRÉIA


Meu nome é Andréia. Meus pais tornaram-se Testemunhas de Jeová em 1973, nasci em 1976, portanto, nasci "na verdade", assim como meus outros três irmãos. 

Meus pais são pais amorosos, e tenho certeza que toda a educação que nos deram foi pensando no melhor para nós. Batizei-me aos 10 anos, junto com minha irmã de 11, em um congresso de Distrito em Belo Horizonte. Sempre fui zelosa, me esforçava para ser uma TJ perfeita. 

Hoje luto contra traumas emocionais profundos em decorrência da rígida formação como TJ. Hoje sofro profundamente por ter me desligado da Organização enquanto minha mãe, meu pai, minhas duas irmãs e meu irmão caçula ainda são TJ. Sou casada, tenho uma filha de um ano e sempre que visito meus pais, vejo o olhar triste do meu pai para mim e minha filha e sofro sabendo o quanto ele sofre por imaginar que não estaremos com ele no Novo Mundo... Como me dói saber que meus pais sofrem por me considerar morta... 

Um dia, logo quando comecei a duvidar, quando disse a meu pai que não tinha certeza se era realmente ser TJ o que eu queria, minha família foi à reunião e eu fiquei em casa, me sentindo péssima. Quando eles chegaram, meu irmãozinho, então com uns nove anos, abriu a porta do quarto e me disse com os olhos cheios de lágrimas: - "Se você deixar a religião eu nunca mais falo com você". Aquilo foi como uma faca no meu coração, eu e ele tínhamos uma relação de tanto amor... eu era (e sou) apaixonada pelo meu irmão, e hoje somos como dois estranhos...

Ontem, no fim do dia estava sem fazer nada no trabalho, e comecei a pensar
em minha irmã mais velha, que ainda é TJ, mas está com sérios transtornos
psicológicos. Então, após uma cadeia de pensamentos, digitei "Testemunhas
de Jeová" em um site de busca. Tudo que li no seu site mexeu tanto com minhas lembranças e meus sentimentos que hoje resolvi relatar minha história, desabafar, dizer coisas que nunca tive coragem de dizer nem mesmo para o espelho... 

Aos 17 anos, depois de terminar o 2º grau, disse aos meus pais que queria fazer faculdade, eles acabaram concordando, desde que minha irmã fosse fazer o mesmo curso, e este curso fosse na faculdade que fica em uma cidade próxima à cidade onde eles moram. Fizemos o vestibular, passamos e fomos estudar. Durante a semana freqüentávamos as reuniões na cidade onde estudávamos e todos os fins de semana íamos para casa, e freqüentávamos a congregação de meus pais.

Apesar de todos os esforços comecei a perceber que todos, nas duas congregações, nos tratavam como se fôssemos uma espécie de leprosos, pessoas com quem não era saudável conviver. Nesta mesma época meu pai perdeu o cargo de ancião (cargo que ele ocupou por mais de 20 anos) porque minha irmã se envolveu em namoro com um "mundano". Depois disso ela resolveu largar a faculdade, para se afastar do rapaz. Eu insisti em continuar, eu tinha muita fome de saber, vontade de continuar estudando, e continuei.


Pela 1ª vez em TODA A MINHA VIDA, eu fiz amigos, amizades sinceras que
duram até hoje, e comecei a perceber como aquelas pessoas se importavam
comigo e me tratavam com muito mais amor do que os irmãos da congregação, que apesar de eu não estar fazendo nada de errado, me evitavam como se eu
fosse uma má associação (apenas porque eu queria estudar). Então eu me perguntava: Será que um Deus de amor vai mesmo aniquilar estas pessoas tão boas, pessoas de quem eu tanto gostava, apenas porque elas não eram TJ? 

Aquelas pessoas tinham menos maldade no coração do que muitos "irmãos", que passavam por mim na rua e viravam as caras, mesmo enquanto eu ainda freqüentava as reuniões, ia ao serviço de campo, tudo certinho...

Foi aí que eu criei coragem para aceitar ouvir destas pessoas porque elas
não concordavam com o que eu lhes dizia quando lhes dava testemunho... criei coragem para abrir minha mente e escutar o que elas tinham para dizer. Nesta
época ouvi um irmão experiente ser perguntado se Jeová também destruiria
as criancinhas que não eram filhos de TJ no Armagedon. Ele disse que "filhote
de cobra, cobrinha é". Aquilo me horrorizou por dentro, lembrei de todas
as crianças, filhos de parentes, de amigos, ou de estranhos que eu conhecia, 
e disse para mim mesma: um Deus de Amor não faria isto com criaturas inocentes que não tiveram a oportunidade de escolher o seu caminho. Nesta época, conheci o meu atual marido, que fazia o mesmo curso que eu e começamos a namorar. Uma pessoa maravilhosa, de mente aberta, amoroso, então eu decidi que não era ser TJ o que eu queria para minha vida. Falei para o meu pai, disse que queria me dissociar... 

Só quem já foi TJ pode entender o que isso significou em minha vida, na vida da minha família. Meu pai disse que jamais permitiria que outro filho fizesse faculdade, entre outros absurdos mais. 

Uma semana depois fui surpreendida ao ser convidada para uma conversa com os anciãos, que na verdade era uma comissão judicativa. Eles me interrogaram sobre minha relação com meu namorado, se tínhamos fornicado, se eu tinha medo de admitir isso e era por isso que eu queria sair. Eu deixei bem claros os motivos pelos quais EU NÃO QUERIA MAIS SER TJ, e que minha vida sexual se existia ou não era um assunto pessoal meu, do qual eu não iria falar com eles. Alguns dias depois, minha irmã me chamou para uma conversa entre irmãs, amigas que éramos, e eu então lhe disse que eu não era mais virgem. Dali ela foi diretamente falar para o meu pai (algo completamente desnecessário, eu já tinha 21 anos, sabia perfeitamente o que fazia com minha vida, e não queria mais este conflito com meu pai). O que aconteceu depois disso não sei exatamente, só sei que ao invés de ser dissociada como eu havia pedido, o anúncio foi dado nas congregações como desassociação. Incrível! Eu fui expulsa de um lugar de onde eu havia pedido para sair!!! 

A humilhação para mim e para minha família foi maior assim... Isto foi em 1997. Até hoje tenho pesadelos com o Armagedon! Hoje eu sou uma mulher de 27 anos, casada, tenho uma filha, um emprego público federal, que consegui em um concurso com mais de 180.000 inscritos em todo o país, e não consigo sequer comprar roupas para mim sozinha... Parece que uma coisa não tem relação com a outra, mais tem tudo a ver... Eu tenho dificuldades em me relacionar com as pessoas em meu trabalho, em minha vizinhança, sou ansiosa, me sinto inadequada em qualquer círculo social. POR QUE? Passei esta noite acordada e relembrando minha infância e adolescência... Foi doloroso... Doeu recordar como eu me sentia, sozinha em um canto na hora do recreio, na escola, porque eu não podia me relacionar com "mundanos"... a vergonha que eu sentia quando era aniversário de algum coleguinha do jardim de infância e eu ficava sentada e calada enquanto meus colegas cantavam parabéns... a ansiedade que eu sentia na 1ª série, quando eu sabia que haveria aula de Religião e que eu tinha que me levantar e sair da sala, ia para a sala da diretora, morrendo de medo e vergonha... Lembrei-me de quando os colegas me perguntavam o que eu ia ganhar no Natal, e eu tinha que dizer que na minha casa não tinha Natal, "Jeová não gostava de Natal"...


Lembrei-me do quanto eu tinha vontade de me vestir de caipira e dançar quadrilha
nas festinhas juninas da escola, mas "Jeová também não gostava de festa
Junina". Senti novamente a humilhação de ser obrigada a explicar em voz
alta para a professora, por que eu não podia participar da festinha do dia
das mães, explicar porque Jeová não gostava do dia das mães... Senti toda
a solidão e toda a inadequação de viver no mundo, mas não poder fazer parte
dele. Hoje eu não perco a oportunidade de assistir ao desenho He-man quando
posso, pois quando eu era criança eu não podia. Quando eu e minha irmã entramos na adolescência era preciso implorar para meu pai deixar a gente sair de
casa, e mesmo assim ele ia atrás fiscalizar, depois tinha o sermão, toda
aquela cobrança sobre "mundanos", toda aquela culpa, vergonha, humilhação...

Hoje posso admitir para mim mesma que era constrangedor quando eu entrava
na casa de algum colega no serviço de campo, as gozações que eu ouvia depois...
Acho que todos que passaram por isso sabem do que falo. 

Sei que meus pais tinham as melhores das intenções, mas hoje tenho consciência de quanto o esforço para não fazer parte do mundo pode ser grande demais para uma criança.

Há alguns meses minha irmã caçula veio me fazer umas perguntas sobre minha
opinião sobre as TJ. Eu não disse nada, não quero ser acusada de apóstata
e de tentar desviar minha irmã. A verdade é que ela não quer ser TJ e tem
medo de matar meu pai de desgosto. Ela acabou entrando na faculdade, mas
teve uma crise de depressão e abandonou tudo. Ela tem 20 anos, não estuda, 
não trabalha, não tem o direito de viver a própria vida como gostaria. Minha
outra irmã mais velha, hoje me é uma pessoa estranha, é estranha a si mesma, 
tentou se matar e o psiquiatra disse que ela tem um transtorno de personalidade.

Ainda ontem falei com ela ao telefone e ela me disse que também não quer
ser TJ, mas não tem coragem de sair... Tudo que eu tenho vontade de contar
aqui daria um livro, mas, acho que já me delonguei muito... Gostaria que
você publicasse minha história.  Obrigada por tudo...

Andréia



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