Testemunhas de Jeová Ligaram-se à
"Besta" Por ANTÓNIO MARUJO Sábado, 20 de
Outubro de 2001
Inscrição na ONU fez
polémica
Grupo religioso teve de abandonar registo na ONU, que
identifica como a "coisa repugnante" do Apocalipse
As Testemunhas de Jeová (TJ) estiveram
inscritas durante quase 10 anos num registo das organizações
não-governamentais que trabalham com a ONU, instituição que as TJ
identificam como "a coisa repugnante" e a "besta escarlate" referida
no livro bíblico do Apocalipse (ou "Revelação", na linguagem das
testemunhas. O facto, mantido em segredo durante este tempo, só foi
conhecido há cerca de dois meses, motivando uma volumosa
correspondência dirigida à ONU e aos responsáveis das TJ por parte
de muitos membros das Testemunhas de Jeová, estranhando o que alguns
consideravam hipocrisia. Na sequência desse movimento, aquele grupo
religioso solicitou a desvinculação do registo, decisão deferida
pela ONU no passado dia 9.
O pedido de inscrição foi feito, ainda em 1991, pela Sociedade
Torre de Vigia de Bíblias e Tratados (STVBT), o órgão dirigente dos
cerca de seis milhões de Testemunhas de Jeová a nível mundial. Em
1992, o Departamento de Informação Pública (DPI) das Nações Unidas
aceitou a inscrição da Torre de Vigia no registo de organizações
não-governamentais (ONG), na área da defesa dos direitos humanos. O
departamento da ONU desconhecia, no entanto, que em algumas das
publicações da própria STVBT as Nações Unidas eram permanentemente
identificadas como a "besta escarlate" e a "coisa repugnante" do
livro bíblico do Apocalipse.
Em Agosto, o registo foi conhecido publicamente. Esse facto deu
origem a um movimento intenso de pedidos de esclarecimento. Em
cartas, telefonemas e mensagens electrónicas, muitos membros das TJ
dirigiam-se ao DPI das Nações Unidas e à própria STVBT, querendo
saber o que se passava.
No dia 8 deste mês (véspera da decisão de anulação do registo no
DPI), um ex-membro das TJ citado pelo jornal inglês "The Guardian",
dizia: "Há uma manifesta inconsistência entre a descrição que a
STVBT faz frequentemente da ONU como uma organização iníqua e as
suas [da Torre de Vigia] tentativas nos bastidores para obter os
favores" das Nações Unidas.
"O registo como Organização Não Governamental só foi feito por
causa de poder dar ajuda humanitária e defender os direitos humanos
em diversos países do mundo", diz ao PÚBLICO Pedro Candeias,
porta-voz da Associação das Testemunhas de Jeová em Portugal. Em
Portugal, no entanto, a desvinculação do registo ainda não é
conhecida oficialmente pela ATJ, que representa perto de 50 mil
crentes.
Este responsável diz que o grupo religioso a que pertence tem
tido "um papel importante" na ajuda a populações de países como
Angola, Bósnia, Geórgia, Ruanda e outros africanos ou
latino-americanos. "Chegar a esses países era complicado e, por
isso, foi necessário inscrever" a STVBT nas Nações Unidas. Mas essa
inscrição, afirma, não comprometia as Testemunhas de Jeová com
"qualquer envolvimento político" com a ONU.
Este grupo religioso, recorde-se, afirma-se neutral em termos
políticos. Mas, ao mesmo tempo, mantém uma atitude de respeito,
quase submissão, para com as autoridades de cada país. Pedro
Candeias explica que os TJ pagam os seus impostos mas não vão,
depois, perguntar ao Estado o que se faz com esse dinheiro.
"Não se trata de uma jogada política", diz o porta-voz da ATJ,
"porque sem o aval da ONU não seria possível distribuir ajuda
humanitária". E como a inscrição "não violava os preceitos
estatutários" das TJ, as críticas ao registo no DPI "não têm
qualquer fundamento", diz Pedro Candeias.
Certo é que numa informação assinada por Paul Hoeffel, chefe da
secção das ONG no DPI das Nações Unidas, datada de dia 11, diz-se
que aquele organismo vinha recebendo mensagens "numerosas" pedindo
informações sobre a associação da Torre de Vigia à lista de ONG que
trabalham junto das Nações Unidas. A STVBT, acrescenta o documento,
"pediu para ser associada ao DPI em 1991, o que foi concedido em
1992". Ao associar-se, qualquer organização se compromete a
respeitar os princípios da Carta das Nações Unidas e a informar os
destinatários sobre as actividades da ONU.
"Em Outubro de 2001", acrescenta Paul Hoeffel, a Torre de Vigia
"requereu o fim da sua associação com o DPI". Depois disso, o
departamento da ONU "tomou a decisão de dissociar" a Sociedade Torre
de Vigia, o que teve efeito a partir de dia 9 de Outubro.
|